As crianças criam a "pseudoimbecilidade" como forma de se defenderem. Fazem-se passar por estúpidas quando estão num contexto que não podem nem aceitar nem modificar. Leio isto no livro A AMBIGUIDADE de Simona Argentieri, que sairá brevemente no Brasil
Serão só as crianças?
Paro a leitura e penso. O que isto teria a ver com o conceito de "servidão voluntária" de que falava, há mil e quinhentos anos, o filósofo Boethius no decadente Império Romano? Tem gente que aceita silenciar-se, moldar-se, ser subalterno ou se comporta como os animais que se mimetizam com o ambiente para não serem notados. É' um tipo de esperteza, esperteza que consiste em parecer estúpido.
Como variante disto, penso também na questão das pessoas que se inserem numa ideologia que está na moda. É' uma maneira de se exibir usando uma carapaça charmosa. E isto me leva logo a uma outra categoria que poderíamos criar- a do "pseudointeligente". Uma pessoa pode, por exemplo, passar por " inteligente" nos meios acadêmicos e nos bares simplesmente recitando o receituário de uma certa filosofia ou de um autor que entrou na moda. Pode passar por alguém que está "por dentro" quando na verdade realmente ele está por dentro, ou seja, é um parasita da ideologia dominante,
Se o "pseudoimbecil" se retrai ocultando a sua verdadeira opinião, como casca, para se defender ( mecanismo que Winnicott estudou), o segundo avança criando uma máscara de falso ajustamento, e quando sozinho não sabe o que fazer da angústia e da insatisfação que esse comportamento deixa residualmente.
Os regimes autoritários, as inquisicões, as patrulhas ideológicas obrigam o indivíduo a esconder sua verdadeira opinião. Realmente é um risco desafinar no "coro dos contentes". Alguns perdem a cabeça, o emprego, o espaço nos jornais.
A "pseudointeligência" que é uma maneira sábia de ser covarde, nos leva a consumir o que está na ordem do dia, seja a moda, a roupa, a música, a arte e até a comida. Os argumentos usados, já que são gerados por um "falso ego" -o da máscara, repetem a vulgata, o discurso alheio. Poder-se-ia dizer que neste caso, são pessoas que não têm "redação própria" ou "autonomia de vôo" .
A coisa é tão complexa e sutil e, às vezes, tão paradoxal que a cultura contemporânea tem incentivado a "pseudointeligencia" de formas novas. A ascensão das nulidades, o culto ao mercado, a necessidade de seduzir as classes C, D e E estão embaralhando não só sujeitos e objetos, mas sobretudo os conceitos.
24.08.2011-Estado de Minas/Correio Braziliense
fonte: http://www.affonsoromano.com.br/blog/