O ERRO DO HUMANISMO DOUTRINÁRIO. Por Paulo Delgado*

Raça, sexo, língua, religião, nacionalismo, democracia e fanatismo de todo tipo tomaram conta das discussões mundiais e entupiram os meios de comunicação de conceitos particulares, próprios de seus formuladores. O humanismo se politizou de forma doutrinária e fantasiada de evolução, fazendo mal à convivência humana. Uma onda de classificação por etiqueta, perfil e comportamento, para fazer do direito a diferença uma diferença de direito. Um culto ao eu-particular-e-único, que estimula mágoa, leva ao abuso de confissões, o desnudar-se todo, definindo a identidade específica como caminho para a redenção. A sociedade da reclamação está doente e não fala mais em progresso para todos. Só fala de si mesma.

Desde que os cientistas da Universidade de Nottinghan, na Inglaterra, criaram um útero artificial capaz de desenvolver um embrião fora da barriga da mãe, a sexualidade começou a perder  prestígio como anatomia e um ato de amor. Separando a procriação e a distinção biológica dos papéis desempenhados por homens e mulheres, vem aí um mundo diferente e pior. As derivas no conceito de família começam a rodar a cabeça dos casais quando se tornou possível acompanhar , com especial curiosidade, a formação do corpo e da cabeça do bebê. Os pais não deram mais folga à sua ansiedade, interessados em entender essa habilidade humana fantástica em se autoformar e nascer sem defeito. Se tudo der “certo” para a ciência da inseminação artificial “in vitro”, o desejo de ter filhos, de quem assim o desejar, não precisará mais recorrer a uma mulher, nem se interessar em saber quem é o homem.



A descoberta das técnicas de fertilização “in vitro” tornaram o ser humano um detalhe na fecundação, facilitando a ambição de uma ciência que se prepara para oferecer ao mundo o principal passo para a medicalização da vida. Quem não dá valor à família prepare-se  apara viver num mundo sem parentes. Quem vê a vida como busca da alegria e da felicidade prepare-se para o pior. As maternidades industriais do futuro, que cuidarão da reprodução assistida, poderão receber encomendas de pessoas. Será possível planejar e rejeitar  crianças. E tal submissão da ciência ao arbítrio dará a perversos o poder de fazer fanáticos.

Sabemos que a sociedade se agrupa em torno de valores, autênticos ou deteriorados, e embaralha suas ilusões e sonhos, quando não sabe mais distinguir um do outro.

A doutrinação política gosta de certezas e tem pouca vocação para a dúvida. Quem só fala depois de saber o que a opinião pública e grupos querem ouvir não tem necessidade da inteligência e discernimento. Melhor ser papagaio. O silêncio da maioria é defesa para ficar acima da confusão sem fazer parte da controvérsia. A política, como uma atividade mundial, vale-se da publicidade para esconder as verdadeiras ideias, algumas da aparência medonha, como se vê nas razões de Putin e durante a eleição francesa. Logro, é o que se vê na grande e na pequena política de personagens capazes de ter opinião sobre tudo, sem o risco de desvendarem a verdadeira representação que têm de si. Capazes de se autoproclamarem profetas para infligir à sociedade valores sobre os quais não existe nenhuma certeza e que não deveriam ser tratados com hostilidade, rótulos, preconceitos e baixa estima.

Branquitude, brancofilia; negrofilia, negrofobia; masculinista, feminista; estrangeiro, nacional; libertário, liberticida, direitista, esquerdista, etc, etc, são pólos aparentemente antagônicos de uma sociedade dedicada à colonização dos egos, pela rotulação da individualidade. Todas estas distinções e dissociações parecem mais uma lenda vasta e obscura plantada pelo doutrinarismo  político identitário na cabeça das pessoas, do que fruto real da história da vida humana. Parecem luz, esclarecimento, clareza. São mais trevas, sombra, escuridão.

Quem não aderir ao conceito preconcebido de direito especial para grupos e pessoas, próprio  da política doutrinária, logo é rechaçado , ofendido, rotulado. A história das mentalidades, do cotidiano, da vida vivida pelo prazer da vida, da cooperação na luta contra o sofrimento, da solidariedade, acaba sendo achincalhado pelo doutrinarismo fanático incapaz de ver o que existe além do que é moda.

A história dos direitos civis e da evolução da vida democrática não convive com supremacismos ou com qualquer teoria de substituição de um povo por outro. Estar aberto a novas políticas sociais, a maior integração de todos à sociedade, exige um tom mais adequado, não sectário, sem usar insulto ou xingamento como argumento. Democracia é tirar a maldade da linguagem e pôr um freio na manipulação da identidade do outro.

*Paulo Delgado – Sociólogo.

Publicado no CB de 24 de abril de 2022, p.9; Caderno Mundo. 

email: contato@paulodelgado.com.br

 


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