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DIEGESE DE “AUTOPSIA”. Por Roner S Gama*




DIEGESE DE “AUTOPSIA”.

A peça teatral “Autópsia”, elaborada “a partir da adaptação de cinco emblemáticas obras do dramaturgo brasileiro Plínio Marcos”, como diz o folheto publicitário, que se desdobra em dois atos, expõe ao público a (s) tragédia (s) urbana (s) de nosso cotidiano. Merece destaque o posicionamento no palco dos atores. Diferente de outras peças, os atores estão sempre no palco, movimentam-se no palco e fazem parte, inclusive, da cenografia, mas sem desviar a atenção do público dos desdobramentos encenados. Interessante que para cada cena, há a movimentação, sincronizada, de maneira a permitir que um dos atores vá até certo canto do palco e manipule a iluminação (descida de algumas lâmpadas sobre o cenário) , como se para cada trama houvesse uma “luz” própria.
Logo de início, há o impacto com atores nus, uns jovens, outros com idade já bem avançada, o que demonstra uma certa preocupação com a  heteregoneidade, tanto no ato 1, quanto no 2, essa é abertura da peça.
Toda a encenação tem como fundamentação a tragédia das vidas de indivíduos dos estratos inferiores da sociedade: a prostituta, a cafetina, o desempregado, a mãe solteira, o drogado. O folhetim nos traz a mensagem de que “as obras problematizam, a partir de paisagens humanas desoladoras, a existência persistente de seres humanos que lutam pela sua sobrevivência”, como se todo cidadão, pobre ou rico, negro ou branco, não lutasse cotidianamente por sua sobrevivência e bem-estar. A meu ver tornou-se lugar-comum referendar certos tipos sociais como  “detentores” exclusivos de uma labuta inescusável pela sobrevivência. Em certo trecho da encenação,  a personagem, “mãe solteira”, solta a seguinte frase em discussão com seu filho (morador de rua criado por uma prostituta) “ sua luta não é maior que a minha”, será que se aplica apenas aos substratos sociais retratados por “Autópsia”? E o que dizer das lutas pessoais, diárias e anônimas do cidadão comum?
Autópsia apresenta, sim, um fundo ideológico (perceptível no apelo sentimental e vitimizador que se propõe) com forte enfoque às chamadas “minorias”. Tanto é assim que ao final há um “NÃO” à pedofilia, ao feminicídio, racismo, o preconceito de gênero, e, ao fim do segundo ato, um "LUTO PELO FIM DO MEC,  entre outros temas polêmicos, e necessitados de uma discussão aprofundada e urgente.
Autópsia é um procedimento médico que desnuda o corpo humano por dentro expondo o seu interior. Se a peça teatral, com o mesmo nome, pretendeu desnudar nossa sociedade, o fez de maneira precária. O cidadão comum, hodiernamente, se choca, se escandaliza, se revolta, chora e se angustia com toda sorte de mazelas e tragédias decorrentes das mais variadas matizes, sejam elas oriundas da omissão do poder público, sejam das relações sociais que , em determinados momentos, se apresentam conflitantes em diversos graus. Para Durkheim “é a sociedade que determina o individuo”,ou seja, não se está aqui defendendo a tese da “predestinação”, mas que a representação daquilo que se propõe em "Autópisa” se dá através das relações sempre conflitadas e tensionadas, dentro da sociedade. Os “náufragos da existência” , figuras presentes na sociedade brasileira e, de certa forma, romantizadas pela literatura,  existiram e persistirão, são o resultado mais perverso dessa conflitação intensa, desigual e desproporcional.
Se pudéssemos dar uma nota à bem intencionada peça teatral, em cartaz no Centro Cultural da Caixa, ficaria na mediana (com muita boa vontade). Talvez se os diálogos melhorassem, são , digamos, precários e enfadonhos, salvo um ou outro trecho, salvaria o repertório já tão repisado, revisado, visto, lido e ouvido em tela, teatro, livros e artigos.Faltou, talvez, uma pitada de criatividade.


*Roner Salvador Gama- Licenciado em Letras Português/Inglês, pós-graduado em Revisão Textual, Docência do Ensino Superior, professor de Língua Portuguesa, Metodologia Científica , Revisor e Orientador. 
Contatos: (61) 9655 6072; (61) 8157 5076.

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