A PARTEIRA MÃE BERÉ Nunca se ouviu Beré dizer: “Quem pariu Mateus que o embalance”. Embalançaste quantos Mateus sem os ter parido algum? Com a porta entreaberta, o sorriso sem trinco, cantigas de rodas na calçada de crianças dos gerais e das caatingas; a orelha enfeitada com um simples brinco. Pra quem chega do sol de Barreiras sombra, água fresca de moringa e a saudação “seja bem-vindo”. A parteira espera no porto como quem espera um barco; espera de pé quem sentado está acomodado no amniótico saco; espera não quem bate à porta lá fora; espera quem de dentro quer vir para o mundo aqui de fora; quem quer respirar o ar de uma nova aurora. Espera (a parteira) quem bate à porta como o sol bate nas pálpebras; quem bate não com o murro que soca, quem bate dando chutes de dentro pra fora; quem se debate dentro do útero, às vezes único, ou em dupla, sêxtuplos, avisando que chegou a hora. A parteira espera sem pressa, espera sem fazer esforço; espera como quem espera a primavera apesar do outono que envelhece; espera sem forçar a barra (encontro do rio Grande com o rio São Francisco em Barra); sem querer usar a força do fórceps; sem querer meter os pés pelas mãos (as aguas claras e barrentas dos rios não se misturam) sem querer ser, sendo, entretanto, de uma multidão sua mãe de criação. Vieste dum riacho em Água Doce. Além da trouxa de roupa, trouxeste com açúcar e com afeto paciência para ver crescer os fetos prematuros ou de nove meses; espera (a parteira) cabeça, tronco e membros espera para o mês que vem janeiro, fevereiro, dezembro. Na cabeceira, à beira de Beré outras beiradeiras esperam. Rente com o pé no batente, a operária opera o trabalho de parto: bacia com água, álcool e algodão; as contrações aumentam; de dentro do ventre o rebento deixa o oxigênio da placenta pra respirar o ar do meio ambiente; tapa no bumbum do bebê; a parteira fez sua parte no parto: “novo barreirense!” O corte no cordão umbilical (andorinha-tesoura à flor d´água do rio Grande), galo cantando longe, três vezes; coto umbilical cortado e seco enterrado debaixo da roseira Mãe Beré evita dizer: “Quem pariu Mateus que o embalance” Por Clerbet Luiz
COMENTO
Clerbert Luiz é baiano, poeta de nascença, inspirado pelas figuras reais de seu cotidiano.
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